07 julho 2010

Escola Bíblica – Dificuldades e desafios da maior escola do mundo

O despertador toca para lembrar de um velho compromisso: é manhã de domingo, dia de Escola Bíblica Dominical (EBD). As classes nas igrejas esperam crianças, adolescentes, jovens, senhoras e senhores para mais um dia de ensino da Palavra de Deus.

É preciso aprender sobre o plano de salvação, sobre os heróis da fé, conhecer a verdade para combater seitas e heresias. Chega a hora da aula, mas, onde estão os alunos? E professores, há mestres para o ensino da Palavra?


Criação

Fundada em 1780, pelo jornalista inglês Robert Raikes, a escola bíblica dominical tinha como primeiro objetivo tirar crianças – filhas de operários ingleses – das ruas e oferecer estudo para que elas não ingressassem na criminalidade. Meninos e meninas trabalhavam duramente nas fábricas durante a semana, não estudavam e, aos domingos, perambulavam pelas ruas.

Ao contemplar isso em sua cidade – Gloucester -, Raikes teve a brilhante idéia de juntar essas crianças nas manhãs de domingo e alfabetiza-las, ensinar-lhes linguagem, gramática, matemática e religião.

No início, as aulas eram dadas em praças e nas casas dos professores, mas logo as igrejas abriram suas salas e disponibilizaram professores para os estudos. A Igreja Metodista foi uma das pioneiras na criação das salas de aula. Quatro anos após a fundação, a Escola Dominical já tinha mais de 250 mil alunos e, em 1811, quando Robert Raikes faleceu, havia mais de 400 mil alunos matriculados.

No Brasil, a escola bíblica chegou em 1855, com o casal de missionários escoceses Robert e Sarah Kalley. Eles começaram a dar aulas a crianças e jovens nas ruas de Petrópolis, Rio de Janeiro, e desse trabalho nasceu a Igreja Evangélica Congregacional.

Hoje, há no mundo 60 milhões de alunos matriculados em mais de 500 mil igrejas protestantes, segundo a Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD), o que fez com que a escola bíblica se tornasse a maior escola do mundo. Porém, apesar de mais de 150 anos de criação no Brasil, o ensino bíblico ainda capenga, em muitas igrejas.

“A igreja evangélica cresceu, mas o ensino nas igrejas não acompanhou esse crescimento. Nesse sentido, digo que a maioria das igrejas, no que tange ao setor educacional, está atrasada”, disse o advogado e superintendente das EBDs em Mato Grosso, Valmir Nascimento.

Membro da Assembléia de Deus e autor de vários artigos sobre o ensino bíblico – entre eles, “Igreja que ama, educa!”-, Valmir afirma que há, entre os evangélicos, um cristianismo de mente vazia, resultado de igrejas que direcionam suas ações somente para três áreas – o ritual, em que a cerimônia religiosa é um fim em si mesmo; a ação social, em que se preocupa unicamente com assuntos ligados à fome e violência; ou, somente a experiência, em que se faz da experiência metafísica a única razão de ser cristão.

A prova de que a igreja pouco se preocupa com o ensino, segundo Valmir, mostra-se nos enormes investimentos em programações e eventos em contraposição à falta de recursos para o ensino. Valmir lembra ainda que a Igreja precisa desempenhar três funções básicas: evangelização, adoração e ensino, sendo que todas têm igual importância para o reino de Deus.

“A igreja perdeu a visão do ensino bíblico. Hoje o foco é outro. Há muita preleção e pregação, mas não há investimento em estudos, não há valorização da educação cristã. Talvez esteja até recebendo investimento, mas não da forma correta. Faltam material didático, estratégias, levantamentos para saber a melhor forma de ministrar determinado assunto”, afirmou a pedagoga e fisioterapeuta Nelcy Assis do Carmo Pereira.

Com larga experiência em educação cristã – ministrando aulas na Escola Dominical da Primeira Igreja Presbiteriana de Vila Velha e na Faculdade Teológica Unida (FTU) -, Nelcy está preocupada com o ensino nas igrejas. “É por isso que muitos membros de igreja quando chegam às faculdades desviam, pois eles não foram treinados a questionar, e quando são confrontados nos centros acadêmicos, não têm respostas”, disse a pedagoga.

Para ela, a escola bíblica é uma das principais ferramentas para o crescimento e amadurecimento cristãos. “Jesus foi um bom exemplo de mestre. Ele usou diversas estratégias, questionou, usou parábolas, linguagem, simples e foi o maior mestre de todos os tempos”, afirmou.

Missão

Aperfeiçoar o caráter do cristão, edificar o lar e transformar a sociedade. Estes são alguns dos objetivos das escolas bíblicas, espalhadas em todo o mundo.

Com o estudo voltado para histórias bíblicas ou para temas atuais – mas sempre com respaldo bíblico – as EBDs são responsáveis por proclamar o reino de Deus e a Jesus como Senhor e Salvador, incutindo nos alunos valores cristãos.

Porém, mesmo com toda essa responsabilidade, dia de estudo bíblico costuma ser o menos freqüentado nas igrejas. Se o estudo for aplicado nas manhãs ensolaradas de domingo, a freqüência é ainda menor, principalmente entre os jovens.

“Temos salas de aula para todas as faixas etárias e graus de conhecimento do aluno. Porém, o grupo mais difícil de prender a atenção é o grupo dos jovens. Muitos não se interessam, não participam, preferem ficar do lado de fora da igreja, conversando, a ter que participar da aula”, disse a ministra de discipulado da Igreja Batista de Morada de Camburi, em Vitória, Clemildes Nascimento de Oliveira.

Professora de escola bíblica há 14 anos, Clemildes coordena o ministério de discipulado da igreja, que funciona todos os domingos, de 9 às 10 horas. Para atrair os alunos às salas de aula, Clemildes disse que a igreja tem investido maciçamente na escola bíblica, com recursos audiovisuais, dinâmicas e fantoches, além de cursos para professores.

Para Nelcy, a igreja também deve prestar atenção à resposta dos alunos e realizar modificações, se necessário. “Por que muitos não freqüentam as aulas? Será que não precisamos mexer nos horários? Mudar a estratégia? Precisamos estar atentos e mudar sempre que for preciso”, disse a pedagoga.

O despertar das igrejas

Apesar do pouco investimento, se comparado ao crescimento da igreja no Brasil – estima-se que o número de evangélicos brasileiros tenha ultrapassado a casa dos 26 milhões – as igrejas começam a despertar com relação ao ensino bíblico.

“Por muito tempo, a Escola Bíblica Dominical foi desprezada, principalmente por igrejas que se preocupavam apenas com o crescimento e achavam o método falido. Porém, de 20 anos para cá, muitos pastores têm retomado as classes para combater movimentos heréticos que atingiram muitas igrejas”, disse o chefe do setor de educação cristã da CPAD, pastor Marcos Tuler.

Com 27 anos de experiência e às vésperas de lançar seu quinto livro sobre educação cristã – Abordagens e Práticas da Pedagogia Cristã – o pastor defende que, para acontecer um crescimento real nas igrejas é preciso fundamentação bíblica, teológica e pedagógica.

“A EBD é apenas um setor da Educação Cristã. Precisamos avançar muito mais em educação profissional, vocacional, especial, artística, na formação de obreiros, em seminários teológicos para leigos e outras coisas mais”, disse Tuler.

No próximo mês, a CPAD vai realizar a 11ª Conferência de Escola Dominical, no Rio de Janeiro, onde vai apresentar o novo currículo escolar para as EBDs. A expectativa é que de 1,5 mil a 3 mil professores participem.

Atualmente, o principal desafio das igrejas tem sido o de atrair os membros a participarem da escola bíblica. E, para isso, o investimento deve começar cedo, com as crianças, como afirma o pastor da Igreja Batista Restauração, em Jardim América, Cariacica, Luivan Scheidegger.

Luivan – juntamente com a esposa, Dilzanir Pacheco da Rocha Scheidegger – também é diretor da Aliança Pró-Evangelização de Crianças (Apec) no Estado, instituição que, desde 1986, já levou o Evangelho a aproximadamente 500 mil crianças capixabas. Através de ensino bíblico em escolas, evangelismo pessoal nas ruas, creches, lares, igrejas, campanhas evangelísticas, escola bíblica de férias e treinamento de professores, os missionários da Apec têm resgatado crianças para Jesus e ensinado amplamente os valores cristãos.

“Sempre digo aos professores que culto infantil e escola dominical para criança não são para se brincar. Se a criança for incentivada ao estudo da Palavra, quando crescer não vai se desviar do Caminho. Muitas vezes a criança é levada à igreja, e não ao Senhor. Já evangelizei e discipulei muitas crianças que hoje são dirigentes de igrejas”, afirma Luivan.

Através dos cursos ministrados pela Apec, o ministério infantil Geração Vida, da Igreja de Nova Vida, em Goiabeiras, Vitória, implantou a Turma da Bíblia e fez das crianças que fazem parte do ministério “investigadores” da Palavra de Deus.

“Ensinamos o básico: quem é Deus, de onde viemos e para aonde vamos depois da morte, e outras coisas mais. Muitas vezes ensinamos as histórias, mas as crianças têm dúvidas sobre esses pontos básicos”, disse a coordenadora do ministério, Sunamita Braga Tosta.

Cerca de 20 crianças participaram da Turma da Bíblia, que durou dois meses com aulas no domingo à noite, durante os cultos da igreja. Durante oito aulas, as crianças de 4 a 10 anos puderam tirar dúvidas e, ao final, receberam um diploma de investigador.

“Eu não sabia que Jesus foi batizado e a tia me explicou que João Batista batizou Jesus. A tia falou também dos milagres de Jesus. Gostei muito da Turma da Bíblia, agora eu gosto mais da Bíblia e até levo a minha Bíblia para a escola”, enfatizou Beatriz Marçal da Silva, 6 anos, uma das alunas da Turma da Bíblia.

Em âmbito nacional, uma pesquisa sobre a Escola Bíblica brasileira começa a ser projetada pela Sepal. Ainda não há dados para uma perfeita e completa avaliação, porém já é notório que ainda há muito o que se fazer nessa área.

“O ensino bíblico determina a qualidade e o nível espiritual da igreja local. Pelo ensino, homens, mulheres, jovens, adolescentes e crianças adquirem uma fé mais robusta e madura e, se quisermos que os membros da igreja tenham pleno envolvimento acerca do seu papel em meio à sociedade secular, é melhor investirmos em educação”, completou Valmir.

Fonte: Revista Comunhão / E Agora, Como Viveremos?

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