Gosto muito do evangelho de João e da maneira como ele descreve o modo como Jesus agia e ensinava. Como é sabido por muitos, este evangelho é único e diferente dos demais. Por esta sua particularidade, João relata um dos episódios mais incríveis e interessantes da vida do Mestre: o encontro de Jesus com um cego de nascença.
Ao ler o texto e ver o desdobramento da história, uma frase de Jesus me chama a atenção; foi quando o Mestre disse: “o cego de verdade é todo aquele que vendo, não vê”. Isto causou um alvoroço enorme entre os fariseus, que buscavam algum argumento em que pudessem incriminá-lo, de tal forma que perguntaram a Jesus: “Acaso somos nós cegos também?”.
O dizer de Jesus é muito profundo quando visto e percebido por nós, e a resposta dos fariseus nada mais é que uma indagação muito simplista ante à profundidade da afirmação dita. O que Jesus disse está relacionado à atitude que todo ser humano faz frente à vida. Todos os dias nós nos indagamos se de fato somos cegos, ainda que não seja num momento de reflexão; mas nossos atos nos mostram o quanto indagamos constantemente sobre nossa possível cegueira.
Digo isto porque estes dias presenciei uma das cenas mais fantásticas e incríveis que já contemplei em minha vida: vi um casal de cegos no trem. Nunca havia presenciado um casal de cegos namorando, pode ser que já tenha visto por televisão, mas tão próximo de mim nunca. Usuário do transporte público de São Paulo que sou, descobri que isso pode proporcionar visões e cenas que vão das mais bizarras as mais incríveis.
Observar aquele casal foi como presenciar a “manifestação de Deus” ali do meu lado. O modo como eles se relacionavam, conversavam, davam risadas, se beijavam, faziam caretas, enfim, tudo o que eles faziam era de mente tranquila, sem se importar com nada ao redor, e muito menos com o fato de serem vistos. O que importava pra eles ali, naquele momento, era a leveza e a simplicidade do amor.
Ver aquilo renovou em mim a esperança de como a manifestação do amor é real e verdadeiro quando pessoas se entregam a ele, sem medo e sem medir riscos. Não me refiro à entrega de paixões burras e loucas, mas à pureza e a leveza que o amor proporciona ao coração.
Hoje estamos muito fissurados em esticas e aparências, na correria frenética por status e posições, se importando com moral e gestos pra exercer a vida, tudo sempre feito na busca de fortalecer o exterior, enquanto por dentro vamos definhando dia a dia. Aquele casal não queria saber se um era mais bonito que o outro; eles estavam interessados no que realmente importa: no amor.
Aqueles dois cegos fizeram cair por terra o adágio popular que diz “o amor é cego”. Pelo contrário, eles ensinaram que “o amor abre os olhos de quem quer realmente enxergar”. Esta foi a lição de Jesus naquele contexto: enquanto toda a cúpula estava preocupada com o que o menos interessava, isto é, se preocupar com que o ex-cego dizia e com quem o havia curado, se esqueceram de ver que aquele cego agora estava curado; ou seja, ver que aquele cego estava curado era menos importante do que saber quem o havia curado e por que aquele homem dizia tais coisas.
O poder, o status, o exterior, o ódio, a cobiça haviam cegado aquele homens, ainda que eles enxergassem. Quem anda neste espírito sempre será cego. Quem tem medo do amor sempre andará nas trevas. Quem vive a vida se privando dos percalços sempre viverá em oposição à luz. Quem se preocupa com coisas que pouco importam sempre será cego. Viver a vida sem amor é realmente cair na cegueira, pois vendo a pessoa não vê; contemplando não consegue enxergar. Enquanto estivermos presos aos desejos e ligados as influências cegas do nosso orgulho e desejos desenfreados, ainda que se diga “eu vejo”, pra Jesus não passamos de “cegos".
Por Victor
Fonte: Celebrai